14 December 2009

Caçando elefantes brancos no Rio de Janeiro




Caçando elefantes brancos no Rio de Janeiro

Chegamos com dificuldade à terra dos elefantes brancos. Essa terra é longe do centro, um satélite orbitando o planeta carioca. Saímos da Zona Sul, distraímos com as paisagens incríveis de Ipanema, Leblon, Gávea e São Conrado pela costa Atlântica do Rio de Janeiro. Dia de sol, lindo. Pegamos um engarrafamento infernal na ponte que laça a Barra de Tijuca ao mundo carioca. 


Para chegar a essa terra plana com grandes lençóis de água o caçador intrépido pode escolher entre vários métodos de transporte. Pode chegar de barco, kitesurf, kayak, surfboard, jetski ou montando numa sereia. Nenhum desses jeitos funciona. Pode chegar de avião privado, helicóptero, balão de São João, free jump, etc. Se não tiver dinheiro, criatividade ou coragem para isso, pode também chegar de ônibus ou de carro. Alguns dizem que algum dia chegaremos de metrô.

O transporte terrestre é caracterizado por vias elevadas, túneis, afunilamentos, carregados de carros e ônibus privados. Todas as estradas parecem sofrer ate chorar com o menor acidente ou incomodidade. São nossos filhos mal educados. Se um acidente de três carros destrói uma tarde de trânsito, imaginem o efeito de três ônibus queimados e bem localizados. É fácil demais isolar a terra dos elefantes brancos.

Depois de uma meia hora, o trânsito ficou livre e fomos voando sobre os cinquenta metros de largura de Avenida das Américas a 90 km por hora, olhado a paisagem. Passamos em seguida por: um shopping gigantesco, lojas de autos, condomínios, árvores nas ilhas medianas bem gramadas, uma estátua da liberdade, lojas de autos, estrada boa sem buraco, Hard Rock Cafe, mais dois shoppings, condomínios, lojas de autos... repete. Os morros da maior floresta urbana no mundo nos encostavam com sua franca beleza. O mapa não identificou o país em que dirigíamos.

Tentando pular a linha amarela, vimos nosso primeiro elefante branco (inmovilus ambominavis). Tínhamos ouvido rumores que essa besta omnivora frequenta cada vez mais essa região. Ele é enorme, tem aspecto sonolento, ignorante, manifesta brutalidade e estupidez. Passamos depressa, evocando seu nome com tonalidade tronante – ci-da-de-da-mú-si-ca. Elefante mudo, mãos de cinco polegares rasgando o chão, tomando a paisagem. 

Passamos por centenas de animais até então pouco conhecidos no mundo científico. Eles eram altos, projetando sombras gigantescas ao mar (residencialis miamenses). Alguns deles eram azuis, com milhares de olhos, outros eram rosa ou multicoloridos, mais baixinhos, quadrados, tontos. Cada um projetou suas raízes concretas na profundidade do subsolo, procurando água doce, estabilidade, senso. Eles têm a tendência de se reproduzir mnemonicamente sem cansar. Quando as pessoas passam perto deles, desaparecem e só saem embrulhadas em metal e plástico. 

Viramos à direita na Avenida Salvador Allende e nos lembramos d 11.09.1973. Vimos gente esperando o ônibus que a cobra asfaltada engoliu. Passamos à beira da lagoa. Paisagem linda, pantanosa, úmida, frágil. Não havia mercado de frutas, nem casas particulares...mais um ponto do ônibus cheio. Ao lado equatorial da avenida estacionavam, estalavam, esgazeavam blocos de ninhos, alguns mais completos que os outros, esperando os pássaros migratórios chegar.

- Olha só!

- Onde?

- Lá ao lado da lagoa! O elefante branco! Cadê a câmera?

- Olhe que elefante moderno, elegante! Você acha que ele está tomando água da lagoa?

- Porra ‘tá sim, e muito! Você deveria ver o esgoto dele! Até que têm cheiro de dinheiro esbanjado.

- Você acha que ele é perigoso? Morde?
 
- Sim, morde, morde forte, mas têm jeito de acalmar.

- Qual é o segredo?

- Ele gosta de papéis pequenos e azuis, com um peixe num lado e um romano cego no outro. Ele gosta mais dos recém-tostados. Quando você lhe oferece três ou quatro, pode se aproximar por algumas horas. 

Seguimos. Viramos á direita na Avenida Embaixador Abelardo Bueno. Logo depois, nos assustamos com a presença de um mamífero sem tamanho, sua pele cinzenta descuidada, os cabelos de seu nariz quarentão mal barbeados, pentelhos demais, unhas pintadas de grafite. Paramos. Ouvimos a grito particular dele. Sacamos as maquinas lentamente, ficamos quietos em meia sombra. A cada quatro minutos sai de seu intestino menor, se não me engano, o som de um piloto profissional (pilotus piloto) trocando marchas em alta velocidade. 

Entramos em uma comunidade estabelecida por um grupo de pescadores sindicalizados há quarenta anos. A estrada não pavimentada obrigou o carro ir muito devagar, o que abriu a possibilidade de apreciarmos a tranqüilidade do lugar. Ao nosso lado árvores parcialmente ofuscavam a pele do elefante. Seu som nos perseguia. Seguindo a estrada, a vista do lago nos pegou intermitentemente pelas portas abertas das casas humildes. Paramos o carro debaixo de uma bouganville cheia de flores. 

O Elias atendeu ao nosso toque da campainha com a abertura lateral da sua pesada porta de madeira. Os cachorros Mel e Preta lhe obedeceram sem discussão audível. O quintal da casa encheu o ar com fecundidade. Da porta de casa para trás, vimos o lago lambendo o terreno dele e de sua mulher baiana, Inalva.

A Inalva nos acolheu sentada no seu sofá, num estado doente, alerta e lutador. Na sua mesa estavam os livros Conflitos Ambientais no Rio de Janeiro e A luta por moradia e a política urbana no rio de Janeiro. Essa classe de livros é fundamental para quem pretende caçar elefantes na região.

Passamos horas lá, na sua casa construída por eles mesmos à beira da Lagoa de Jacarepaguá. Pelo menos eu não ficaria surpreso em ver um jacaré entrar pela água atrás da casa. Conversamos sobre os planos do governo de aumentar a alimentação do elefante desmatador com a idéia de treiná-lo para ser a grande atração num circo de cinco cones daqui a seis anos. Quando sedentos de tanto falar, o Elias trouxe água de coco gelado. Também café. Também almoço: polvo com arroz, salada com hortaliças do quintal, licor de banana. Qualidade de vida altíssima, tranqüila, quase soporífica. O elefante gritou de novo, o piloto voava sobre o melhor pavimento do país a trinta metros de distância e a trezentos kilômetros por hora.

 “Viver aqui é uma escolha ideológica,” pontuou Inalva, em seguida, continuar:  “Os treinadores dos elefantes querem os lugares mais bonitos da cidade para eles comerem e crescerem. Seus elefantes são guardam o patromônio. Não sobra nada para as pessoas em seu entorno.”

Inalva continuou, “O Eduardo Paes [prefeito do Rio] lançou sua carreira politica com o discurso de ‘limpeza social’ tentando nos tirar daqui ‘93. Hoje nos chamam ilegais, sujos, poluição visual, clamam que nos maculamos o meio-ambiente. Eles empregam qualquer forma de violência para nos tirar de nossas casas e construir lugares de consumo que danificariam muito mais o lugar em todos os sentidos.”

Com carinho e angústia, agradecemos aos nossos anfitriões e voltamos pela estrada, sabendo que a luta contra os elefantes será dura, cansativa e com resultado previsto. Eles estão chegando de longe, em marcha inexorável, nem pensando em se adotar a cultura local. Antes que o circo chegue, os donos do poder farão tudo que for preciso para o bom desempenho dos elefantes: dar-lhe-ão terreno, comida e treinamento. Para isso precisarão reformar o território e o uso de solo de cima para baixo, para tirar dos de baixo por cima, aplicando o choque, calando bocas, evitando discussão.

De volta à terra carioca, encontramos mais um elefante. Dessa vez, vimos um elefante mal formado, mal alimentado, de proporções estranhas, desabitado, fechado, cabisbaixo. Ele ficava na sua gaiola, esperando alguém lhe explicar teorias existenciais. Absorto em seus pensamentos inúteis, lhe deixamos lá, rodeado por estradas boas, condomínios autoritários, shoppings, e outros tipos de animais cada vez mais presentes naquela região.  
free counters

Labels

2014 World Cup Rio de Janeiro Maracanã FIFA 2016 Olympics 2016 Summer Olympics Eduardo Paes CBF Copa do Mundo 2014 Rio de Janeiro Olympics Ricardo Texeira World Cup 2014 Vasco da Gama 2010 World Cup White Elephants mega-events APO UPP BRT Brazil football Flamengo Lula Orlando Silva violence ANT Aldeia Maracana Carlos Nuzman Dilma Eike Batista Rio 2016 Sergio Cabral 2007 Pan American Games Campeonato Carioca Corruption IOC Jerome Valcke Novo Maracanã stadiums BOPE BRASIL 2016 Brasil 2014 Engenhao Joao Havelange Maracana Policia Militar Vila Autódromo Aldo Rebelo Botafogo Henrique Meirelles Medida Provisoria Metro Revolta do Vinagre Sao Paulo Sepp Blatter World Cup 2010 forced removal Carnaval Elefantes Brancos Fechadao Marcia Lins Minerao Morumbi Odebrecht Porto Maravilha Rio+20 Romario Security Walls South Africa South Africa 2010 TCU Transoeste protests public money public transportation slavery transparency x-Maracana Andrew Jennings Argentina Audiencia Publica Barcelona Brazil Carvalho Hosken Comitê Popular Confederatons Cup Copa do Brasil 2010 Cost overruns Crisis of Capital Accumulation EMOP FERJ Favela do Metro Fluminense Fluminese Fonte Novo IMX Jose Marin Leonel Messi London 2012 Marcelo Freixo Maré Museu do Indio Olympic Delivery Authority Perimetral Rocinha Soccerex Transcarioca bicycles consumer society debt idiocy militarization transportation 1995 Rugby World Cup 2004 Olympics 2015 Copa America Banco Imobiliario Barcas SA Belo Horizonte Bom Senso F.C. Brasilerao CDURP CONMEBOL Champions League. Mourinho Complexo do Alemão Copa Libertadores Cupula dos Povos ESPN England FiFA Fan Fest Istanbul 2020 Jogos Militares John Carioca Kaka Manaus McDonald's Obama Olympic Village PPP Paralympics Providencia Recife Russia Salvador Soccer City Taksim Square Tatu-bola Urban Social Forum Vidigal Vila Olimpica War World Cup Xaracana attendance figures cities corrupcao drugs estadios football frangueiro futebol mafia planejamento urbano police repression porn privitization reforms shock doctrine taxes 201 2010 Elections 2010 Vancouver Olypmics 2013 2018 World Cup 2030 Argentina / Uruguay ABRAJI AGENCO ANPUR ANT-SP Amazonia Ancelmo Gois Andrade Gutierrez Anthony Garotinho Arena Amazonia Arena Pernambucana Athens Atlético Paranaense Avenida das Americas BID Barra de Tijuca Blatter Brasil x Cote d'Iviore Brasileirão 2013 Brasilia Brasilierao Bruno Souza Bus fares COB COI COMLURB CPI CPO Cabral Caixa Economica Canal do Anil Cantagalo Celio de Barros Cesar Maia Chapeu Mangueira Chile 2015 Choque do Ordem Cidade da Copa Class One Powerboat Racing Clint Dempsey Comite Companhia das Docas Copa do Brasil Corinthians Cuiabá Curitiba Dave Zrin David Harvey Der Spiegel Eastwood Edge of Sports Escola Friendenrich Expo Estadio Expo Urbano FGV Fonte Nova Gamboa Garotinho Geostadia Ghana Globo Greek Debt Crisis Greek Olympics HBO Hipoptopoma IMG IPHAN ISL Iniesta Internatinal Football Arena Invictus Istanbul Itaquerao Jacque Rogge Jefferson John Coates Jose Beltrame Julio Grondona Julio Lopes Julio de Lamare Knights Templar Korea Lei Geral da Copa MAR MEX Manchester United Mangabeira Unger Maracanã. Soccerex Marina da Gloria Mexico Milton Santos Molotov Cocktail Mr.Balls Neymar Nicholas Leoz Nilton Santos Olympic Flag Olympic Park Project Oscar Niemeyer Pacaembu Pan American Games Parque Olimpico Pernambuco Plano Popular Plano Popular do Maracana Plano Popular do Maracanã Play the Game Pope Porto Alegre Porto Olimpico Porto Seguro Portuguesa Praca Tiradentes Preview Projeto Morrinho Putin Qatar Quatar 2022 RSA Realengo Regis Fichtner Roberto Dinamite Russia 2018 SETRANS SMH Santa Teresa Santos Sao Raimundo Sargento Pepper Security Cameras Smart City Sochi 2014 South Korea Stormtroopers São Januário São Paulo Teargas Templars Tokyo 2020 Tropa do Elite II Turkey UFRJ/IPPUR URU USA USA! Unidos da Tijuca United States government Urban Age Conference VVIP Via Binário Victory Team Vila Autodromo Vila Cruzeiro Vila do Pan Vilvadao Vivaldao Volta Alice Wasteland Workers' Party World Cup 2018 Xavi Zurich apartments atrazos barrier beer bio-fuels bonde capacities civil society comite popular copa sudamericana crack crime dengue dictatorship estádios favelalógica feira livre fiador flooding freedom of information furos geral graffiti guarda municipal host city agreement identity infrastructure ipanema istoe labor rape riots schedule school shooting security segregation social movements stadium state of exception supervia tear gas ticket prices torcidas organizadas tourism traffic tragedy trash trem-bala velodromo wikileaks xingar