18 May 2010

Uma carta aberta ao torcedor brasileiro

O Brasil merece ser sede da Copa em 2014. Por ser pentacampeão. Por sua contribuição inegável, imensurável, inesquecível ao futebol mundial. Pela paixão das torcidas, pela festa das arquibancadas, pelos craques, pela oportunidade ter todo o mundo em casa, para cumprir o dever de 50. Merece, merece, fim de papo. Daí, complicado. Começamos com os estádios.

Os estádios brasileiros são verdadeiros lugares de memória. É onde deixamos nossos xingamentos, onde elevamos nossas vozes, avivando o choro. É onde identificamos com algo muito além de nossos próprios seres. É aonde vimos momentos bonitos, trágicos, cômicos, aonde o triunfo e o sofrimento andam com mãos dadas. Vazio, o estádio nunca está.  É difícil achar um brasileiro/a que não tem uma relação forte com um estádio, seja de amor, ódio, medo, ou geografia.

É verdade que muitos estádios brasileiros estão precisando ser reformados, já. É verdade que é preciso gastar dinheiro público por uma Copa e que não tudo mundo vai gostar dos projetos. Tudo bem. Mas não é verdade que os estádios precisam ser totalmente transformados, sumamente maquilados, demolidos, desfigurados, e/ou suas historias e culturas esquecidas, descartadas, e elitizadas. Mas está chegando assim.

De Mayo 2009 à Mayo 2010, sem lançar pedra fundamental nenhuma, o orçamento total dos estádios da Copa 2014 pulou 40%, chegando as R$5,6 bilhões. Dos doze estádios, só três são privados ( e eles com os menores gastos) e dos 9 outros, só a Nova Fonte Nova têm dinheiro privado. O governo prometa controla os gastos, mas a política petista não sabe muito bem como fazê-lo. Sabemos bem que vamos ter superfaturamento e que todos os orçamentos e prazos serão estourados. Já aconteceu. A CBF é o freguês da FIFA, e o Brasil da CBF. O povo está construindo doze casas por “famílias” de camarotes e carros blindados.

É a casa da torcida?

Vê como ela está se transformando. Tomamos por exemplo o Maracanã. Desde 1999, o então maior palco de futebol mundial, perdeu seu status. Reformado para sediar o Mundial do Clubes da FIFA em 2000,  suavizou de 179.000 para 129.000. O que fizeram? Colocavam assentos plásticos no lugar de concreta dura.  Colocavam camarotes, cortavam a circulação de vento, e renderam a rampa monumental inútil. Absurdo. Tudo isso antes de Pan.

Pela Pan, eliminavam o geral, baixavam o campo, botavam telas imensas, reformavam os cabines de imprensa, e deu uma pintura na Maracanãzinho. Quanto deu? R$430.000.000. Quanto emagreceu? De 129.000 para 89.000.

Pela Copa, o governo diz que vamos gastar mais R$670.000.000 em reformas novas. O que foi feito três anos atrás, temos que fazer de novo, não dá. Os camarotes vão por debaixo da arquibancada. O velho geral tem que se comportar de novo, tem que se vestir por uma festa sheik. Temos que ampliar o espaço VIP, dar mais espaço pelos carros VIP, melhorar iluminação, e, ao último momento, ou baixar o campo de novo ou reformar (de novo) a arquibancada inferior por que os placares de FIFA são mais altos que nossos, e interferem com a linha de visão VIP.

Os convidados / escolhidos não precisarão de guarda-chuva no Maracanovã. Pode-se estacionar o carro numa garagem, passar por um shopping, transpor ao estádio por ponte coberta, entrar e sentar-se numa cadeira completamente isolada de contexto meteorológico.  Pega uma cerveja estrangeira e espera o espetáculo começar. O cidadão-torcedor modelo paga cara a entrada, a cerveja, a camisa, o programa, sente na sua cadeira assinada e consome em silencio relativo. 

Nas arquibancadas, serão instaladas cadeiras com costas, verdadeiras poltronas para assistir o jogo no maior conforto. Recuando um pouco, olhando por acima, só vai ver cobertura, um óculo pequeno pelas estrelas puder espiar o jogo.

Quem está pagando todas essas reforma nos é. Quem está perdendo cultura, memória, lugar, nos é. Quem está mandando não tem nem quer nada que ver com a gente. Para a sociedade carioca, a Maracanã é importante demais para deixar o tempo correr e o espaço mudar. Para a cultura brasileira, as mudanças previstas pela Copa são impactantes demais para tomar gole abaixo.  Não é exagero dizer que a memória e a cultura brasileira estão ameaçadas com a Copa 2014. Se o projeto da Copa sair de papel, o Maracanã, pelo menos, deixará de existir, e todo mundo perde com isso. 

1 comment:

Antonio Oswaldo Cruz said...

Chris, o Maracanã - como um monumento e lugar de memória da cultura em geral e cultura futebolística carioca e brasileira - acabou em 1999. Não vejo muita diferença entre o Maracanã Pré-Pan e o Maracanã Pós-Copa.

Pelo menos o último jogo do verdadeiro Maracanã em 1999 foi uma partida do Botafogo, com 130 alvinegros cantando e apoiando. Como não poderia deixar de ser, foi uma derrota (na verdade um empate, que nos custou a Copa do Brasil para o Juventude), mas valeu a pena.

Abs
Antonio

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