Para quem trabalha com megaeventos esportivos, o relatório da ONU não trouxe consigo grandes surpresas. Mais que nada, o relatório de nossa colega Raquel Rolnik deu um suporte oficial as lutas que estão acontecendo diariamente no Brasil (e mundo afora) para preservar direitos humanos na face da implementação de projetos faraônicos, mal considerados, não planejados e antidemocráticos.
O que estamos vendo no Brasil e, sobretudo no Rio de Janeiro, é uma forma de planejamento urbano que atende às demandas dos mega-eventos e não às demandas das cidades e seus cidadãos. Quando vemos os projetos de transporte, hospedagem, infra-estrutura e esporte de alto-rendimento deveríamos perguntar por que esses projetos e não outros? No caso das linhas BRT, que estão trazendo consigo os maiores impactos nas cidades brasileiras, deveríamos demandar uma amostra dos dados de uso da malha rodoviária e um estudo que mostra como os novos projetos vão atender as demandas existentes. Os problemas, já sabem, é que esses estudos não existem. Os resultados, já sabem, é que os projetos não vão atender às demandas metropolitanas atuais e sim às demandas de dez horas de futebol ou dezesseis dias de Olimpíada. O resultado, já sabem, será mais um legado de um mega-evento esportivo.
Na semana passada o Comitê Organizador Local da Olimpíada Rio 2016, em conjunto com a Prefeitura e na presença dos representantes do Comitê de Avaliação do COI, lançou o site “Cidade Olímpica” [sic]. O site não estava funcionando na hora do lançamento, nem no dia seguinte. Mais um sinal que tudo está sendo feito em cima da hora. Eu assisti a apresentação de Felipe Goes, Secretário Extraordinário de Desenvolvimento, com minha cabeça balançando. Não existe informação no site, não há dados. O site está feito para inglês ver que projetos estão em andamento. O Inglês, ou nesse caso, o Suíço, pode acompanhar os projetos de transporte em “tempo real” desde lá, sem precisar entender os processos de licitação, sem acompanhar as retroescavadores destruindo comunidades, sem a necessidade de saber de onde vem e por onde vai o dinheiro público. O site que só começou funcionar dois dias depois de seu lançamento e descreve com o maior orgulho os projetos das três linhas de BRT sendo implementados no Rio (em teoria, são quatro) mais as outras intervenções massivos na cidade. Como o Relatório da ONU detalha, esses projetos de transporte estão desapropriando milhares de prédios, deslocando dezenas de milhares de moradores e cortando comunidades por onde acontecerão. Depois daquela apresentação eufônica, de chapa branca, de Disneylândia, que ligou os sistemas de transporte e grandes projetos urbanos com os Jogos Olímpicos, eu perguntei ao prefeito, ao Carlos Nuzman (presidente do COB) e aos integrantes do Comitê de Avaliação do COI como eles iam responder as denúncias levantadas pela Amnesty International e pela ONU.
A primeira pessoa a responder foi o prefeito Eduardo Paes. Ele assinalou que é importante separar os projetos de transporte dos projetos Olímpicos. Daí, falou que não é só pobre que terá sua casa desapropriada! Os ricos também vão sofrer! Paes sequer queria que o COI respondesse, mas o Gilbert Felli (Diretor Executivo dos Jogos Olímpicos) tomou o microfone para dizer que “não queria deixar a impressão que o COI não presta atenção às desapropriações.” Felli acrescentou que “o problema é basicamente o mesmo em todas as cidades e que queremos ter uma lista de todas as desapropriações no Rio e estabelecer mais conexões com ONGs trabalhando no respeito.” Pelo menos essa foi uma resposta mais honesta e menos defensiva, identificando que os projetos de transporte são partes integrais dos jogos e que existe uma relação de “custo e beneficio.” Por sua parte, Carlos Nuzman ficou quieto nem olhando para os poucos repórteres quem estavam lá. Logo depois, Felli inclinou a cabeça para Paes e a entrevista coletiva acabou.
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