20 July 2011

Interview with the Observatório das Metrópoles, Jogos Militares

Here's the text of an interview published today in the Boletim Observatório das Metrópoles at UFRJ/IPPUR. Apologies for the Portuguese-only text. Earth-moving news in English coming tomorrow! Also, follow this link for an excellent interview with Professor Gilmar Mascarenhas in Brasil de Fato. 


de Breno Procópio
Em entrevista ao INCT Observatório das Metrópoles, Chris Gaffney, professor visitante da UFF e integrante do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio, comenta o desafio da cidade de democratizar os investimentos dos grandes eventos esportivos. Segundo o pesquisador, a 5ª edição dos Jogos Mundiais Militares, que começou no último sábado (16), repete o legado de exclusão do Pan-Americano. 
Os Jogos Mundiais Militares já são o maior evento esportivo na América do Sul em termos de número de países e atletas participantes. Segundo os organizadores, são cerca de 6 mil atletas e 2 mil delegados de mais de 100 países, número que supera os Jogos Pan-Americanos. Será o primeiro teste do Rio para as Olimpíadas 2016.
A escolha da capital fluminense para sediar os 5º Jogos Mundiais Militares aconteceu em maio de 2007, em Burkina Faso, na África Ocidental, durante reunião do CISM (Conselho Internacional do Esporte Militar). O Brasil disputou com a Turquia o direito de sediar os jogos. No julgamento final, o legado dos Jogos Pan-Americanos 2007 foi fundamental, segundo os juízes, para a vitória do Rio.

Investimentos

Segundo dados divulgados pelos organizadores, o Brasil investiu R$ 1,2 bilhão nos jogos, em parte para a construção de alojamentos para os participantes de mais de 100 países. O novo complexo de 17 edifícios inclui 408 unidades espalhadas em três vilas construídas para as Forças Armadas. Cada um dos edifícios tem seis andares, com quatro apartamentos de 110 m² por andar, além de áreas comuns para eventos e um centro poliesportivo. Depois dos Jogos Militares, todos os apartamentos das três vilas serão transformados em moradia funcional para os militares brasileiros.
Perspectiva crítica
Para o norte-americano Christopher Thomas Gaffney, professor visitante na Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador do projeto sobre os impactos dos megaeventos coordenado pelo INCT Observatório das Metrópoles e financiado pela FINEP, o Pan-Americano não deixou nenhum legado para a cidade.
A escolha do Rio de Janeiro para sediar os 5º Jogos Mundiais Militares aconteceu em maio de 2007, em Burkina Faso, na África Ocidental, durante a reunião do CISM (Conselho Internacional do Esporte Militar). No julgamento final, o legado dos Jogos Pan-Americanos foi fundamental, segundo os juízes, para a escolha do Rio. Como você vê esse legado?Ele começou a pesquisar os megaeventos há seis anos, quando realizou um levantamento sobre as mudanças do Maracanã para os Jogos Pan-Americanos, abordando a questão histórica e o simbolismo do Estádio Jornalista Mário Filho para a cultura popular do povo carioca. O resultado foi a sua tese de doutorado pela Universidade do Texas (2006), em que comparou a relação do Rio de Janeiro e de Buenos Aires com o futebol. De lá pra cá, Chris tem desenvolvido estudos sobre os seguintes temas: produção de espaço, megaeventos, estádios e identidade.
O legado dos Jogos Pan-Americanos pode ser descrito por estádios mal construídos; o Engenhão, por exemplo, pra quem pôde conhecê-lo é bonito por fora e feio por dentro. Além disso, foi colocado em uma região onde vivem populações de baixa renda, mas não houve melhorias no entorno do estádio. Claro que se você for avaliar, o Engenhão é um estádio funcional para o atletismo, mas até hoje existe a ameaça de ser interditado porque a sua iluminação não funciona bem. Quer dizer, o poder público gastou R$ 400 milhões para a construção do estádio, sendo que deveria ter gasto apenas R$ 100 milhões, devido à exigência de uma pista de atletismo para sediar o Pan-Americano. Vemos nisso a incapacidade do COB e do poder público de gerir esses projetos, vemos a falta de transparência com os gastos, falta de planejamento e gestão profissional na organização desses eventos.
Construir estádios faz parte da história humana. Os gregos, romanos, os astecas e outros povos construíam estádios. Temos mais de 2000 anos de história. Portanto, falar que um grande evento esportivo deixa como legado um estádio é perder o sentido dessa palavra. Porque legado significa o que deixamos para as gerações futuras. E o que foi deixado em termos sociais e de infraestrutura para a população do Rio? Podemos afirmar que o legado é praticamente nulo. Porque no lugar de se construir espaços de lazer popular, o Engenhão tirou da população que mora no Engenho de Dentro um local de recreação. Ali havia um campo para pelada, para as pessoas do bairro. Mas agora o estádio é usado só para eventos profissionais, as pessoas que vivem ali não podem entrar, fazer uso de um espaço que foi construído com dinheiro público.
O mesmo acontece com a Arena Multiuso, na Barra da Tijuca. Só quem pode usar o espaço é atleta profissional ou a Amy Winehouse ou outro astro da música. Destino semelhante tem o Parque Aquático Maria Lenk que não é um espaço popular ou de base de lazer. O legado do Pan, assim, é de desperdício de dinheiro e construção de espaços para a prática de esportes de alto rendimento. A população não ganhou nenhum local para a prática esportiva, foi excluída desse processo.
E qual a sua avaliação sobre a organização do Rio para a Copa 2014 e Olimpíadas 2016? Os Jogos Mundiais Militares representam o primeiro teste?
Acredito que a preparação para os Jogos Militares teve pontos bons e ruins. Em relação à informação e divulgação dos jogos foi bem ruim. Encontrei até propagandas e folhetos informativos escritos em inglês com uma qualidade péssima, ou seja, a organização pecou na produção de material para recepcionar os atletas e turistas que vieram ver os Jogos. O nível de profissionalismo para a realização desses Jogos Militares é muito ruim – pensando a questão da informação.
Já em relação à infraestrutura, os organizadores tiveram de construir as Vilas Militares para receber os atletas, foram investidos cerca de 400 milhões de reais na construção de mais de 1200 apartamentos. No entanto, as Vilas serão destinadas ao Exército após os Jogos. Quer dizer, há um investimento público que será destinado às Forças Armadas, mas esse tipo de investimento já está previsto no orçamento público. Em contrapartida, não há um projeto claro para habitação popular.
Sobre a questão estrutural, temos ainda problemas nos aeroportos. Pelo que se sabe, não foram feitos investimentos no Aeroporto do Galeão. Muitos atletas tiveram que enfrentar uma grande confusão na chegada à cidade. Dessa forma, o que se vê são poucos resultados efetivos na cidade. E o que importa neste processo não é o que vai acontecer em 2014, nem 2016, mas sim o que vai acontecer em 2017. O que vai ficar para a população e para o Rio?
As Vilas Militares foram construídas em Campo Grande, Deodoro e Afonsos, locais da zona Oeste e Norte do Rio de Janeiro que carecem de obras de infraestrutura. O que o Comitê Popular defende em relação a investimentos para os megaeventos? E como tem sido desenvolvido esse processo até o momento?
Existe um comportamento padrão em relação aos megaeventos no Brasil. As obras para esses eventos esportivos não fazem parte do planejamento urbano de longo prazo para a cidade. Ao contrário, o megaevento vira o plano estratégico da cidade. É o que chamamos planejamento de curto prazo; planejamento para o evento em si, e não para a cidade na totalidade do seu território.
O que o Comitê Popular tem exigido é que os investimentos em equipamentos esportivos e no entorno deles (infraestrutura, segurança, mobilidade etc) tenham relação com o Plano Diretor da Cidade, que respeitem o que já estava sendo planejado para longo prazo. Essa deveria ser a lei da terra: todos os investimentos públicos para Copa e Olimpíadas devem respeitar o Plano Diretor e o Estatuto da Cidade, já que essas são ferramentas de planejamento democrático para o território urbano.
Para alguns pesquisadores, o Rio de Janeiro repete uma tradição de exclusão social? Isso acontece neste processo de preparação dos eventos esportivos?
É um processo de exclusão em vários sentidos. Exclusão no acesso ao lazer, já que o Rio está investindo apenas na construção de equipamentos de alto rendimento esportivo, e não há recursos para espaços e equipamentos de recreação para a população, tampouco investimento no esporte de base. O COB tem mandado atletas para os EUA e outros países para treinar para as Olimpíadas, em vez de investir em equipamentos aqui, para democratizar o esporte, oferecer oportunidades para toda a população. Dessa forma, vemos uma exclusão da participação popular no esporte.
A segunda maneira de exclusão é com o transporte. O poder municipal está construindo linhas de transporte cujo resultado é a fragmentação da cidade, cortando comunidades e removendo à força as pessoas de suas casas. O secretário municipal de Habitação está usando o seu spray para marcar as casas e usando táticas e constrangimentos para que as pessoas saiam de suas casas. E aqui há uma pressão do COI e da FIFA para que o Rio de Janeiro e o Brasil cumpram todas as metas.
No Maracanã, por exemplo, estamos vendo a destruição de um palco do povo carioca e a construção de um shopping, de outra coisa. Em todas as cidades-sede da Copa, vemos a desmobilização de espaços populares, a privatização do espaço público e a construção de locais de consumo de padrão do capital internacional.


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