ANT: o formigueiro do bem
OUT OF TOUCH – NÃO ME TOQUES
A Associação Nacional dos Torcedores lançou uma campanha para lutar pelos direitos dos torcedores brasileiros. O grupo já foi criticado, sendo chamado de elitista, esquerdista, marxista, out of touch e por aí vai. Tudo bem, que venham as críticas. No entanto, com quase uma semana de vida, a ANT tem mais de 500 membros e cresce diariamente. A associação apresentou uma série de críticas e demandas, reações às mudanças visíveis e invisíveis que ocorrem na cultura dos estádios brasileiros. Muitas destas mudanças são estimuladas pelos preparativos feitos no Rio de Janeiro e em outras 11 cidades brasileiras que irão sediar a Copa do Mundo. Em especial no Rio, as transformações são multiplicadas, acentuadas e aceleradas com a proximidade dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos.
A ANT foi taxada de elitista por ser liderada provisoriamente por professores universitários. No Brasil, a produção de mega-eventos é que conduzida por uma elite neoliberal privatizadora, de especuladores imobiliários, turistas de hotel cinco estrelas amantes de cruzeiros e luxos extravagantes, discípulos de Rudy Giuliani, cheios de não me toques, ilhados em seu mundinho de champagne e caviar (além de estarem protegidos tanto pelos aparatos de segurança público quanto privado). Há um tempo venho catalogando as transformações radicais que vêm ocorrendo no Rio de Janeiro no decorrer de seus preparativos para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas, incluindo o falido Pan-Americano de 2007.
É muito fácil ser contra tudo que envolve a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Brasil. Os eventos são forçadamente sediados nas cidades (com o consentimento de um governo representativo nominal); tais eventos tiram dinheiro dos cofres públicos e gastam tudo em infra-estrutura esportiva sem ou com quase nenhuma aplicabilidade local ou uso real após o evento; os benefícios do “legado” não são equivalentes ao dinheiro gasto; existem problemas muito mais sérios que precisam ser solucionados com essa mesma verba pública; a caixa preta vazou, todos os problemas estão transbordando; não há responsabilidade pública financeira; há de fato o uso da violência para modelar o espaço urbano tornando-o capaz de acomodar o evento esportivo; a noção de “segurança” está limitada à acumulação econômica; não se chega nem a consultar as pessoas que terão que viver com as conseqüências das reformas; os benefícios são exagerados e os custos omitidos. No caso da ANT, estamos falando de torcedores de futebol, mas devemos estender tal categoria a fim de abranger toda e qualquer pessoa que sofrerá os impactos das transformações feitas para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas.
Logo, sabendo que a Copa e as Olimpíadas vão invadir o espaço da cidade (e mudá-lo para sempre), quais são as alternativas? Como seria um mega-evento com um algo mais, um diferencial? Quais são as contra-propostas existentes? Eis algumas ideias, todas relacionadas com as questões apontadas pela ANT:
1. Ao término dos Jogos, a venda dos alojamentos projetados para as Olimpíadas devem ser reguladas, permitindo renda imobiliária mista. Estes projetos também tinham que ser disseminados por toda a cidade. Por que construir alojamentos olímpicos apenas em zonas olímpicas? É realmente necessário gastar DEZENAS DE BILHÕES de reais para reestruturar uma área tão limitada da cidade?
2. Menos de 20% das escolas públicas do Rio de Janeiro têm áreas de recreação e mesmo assim só as reformas no Maracanã vão custar mais que R$1 bilhão (1.000.000.000), reduzindo a capacidade do que antes fora o maior estádio do mundo para a anoréxica quantidade de 75 mil torcedores. O mantra entoado pela Secretária Estadual de Esporte, Turismo e Lazer do Rio de Janeiro, Marcia Lins é que “nós devemos cumprir com as demandas da FIFA”. O uso de BILHÕES das verbas públicas para a criação de um estádio que receberá um evento privado, para o lucro privado, enquanto a VASTA MAIORIA das escolas cariocas está sem espaços básicos de recreação, é no mínimo uma violação criminosa dos direitos básicos de todos os cidadãos, não apenas dos torcedores de futebol. Que tal primeiro cumprir com o contrato social básico previsto numa democracia?
3. Da mesma forma que a maioria da população vem sendo excluída dos estádios de futebol devido a um aumento nos preços dos ingressos, milhões de pessoas também serão deslocadas por causa do aumento dos alugueis. Desde que o Rio “ganhou” as Olimpíadas, o aumento de 81% dos alugueis perpassou toda a cidade. Nas comunidades “pacificadas”, houve um aumento de 400%. Em geral o estádio é um reflexo da sociedade. A cidade devia ser um lugar que existe além do domínio do consumo – todos deviam ter o direito de freqüentar espaços de lazer e recreação. A elitização dos estádios brasileiros não é um fim inevitável! A expulsão indireta do povo do centro do Rio por causa da especulação imobiliária pode ser evitada! Alguém aqui já parou para procurar apartamentos para alugar? Nem tente comprar qualquer coisa aqui até que a bolha estoure em 2017. O Rio já é uma das cidades mais caras das Américas e a tendência é piorar ao menos que existam medidas legislativas adequadas para o controle da especulação imobiliária.
4. Os projetos de transporte de mega-eventos deviam considerar o todo da região metropolitana e não apenas reestruturar o espaço urbano para trazer pessoas dos centros turísticos (Zona Sul) ou de bolsões de mão-de-obra barata (Deodoro, Santa Cruz) para a Barra da Tijuca. Os atuais projetos de transporte vão fragmentar ainda mais a cidade, aumentando a dependência por meios de transporte obsoletos, além de não oferecer soluções em longo prazo para os já gravíssimos problemas no trânsito do Rio. Os transportes marinhos deviam exercer papel fundamental nos preparativos para os mega-eventos do Rio. Planos atuais de extensão do serviço de transporte marinho: ZERO. (Este item está relacionado aos pontos 5 e 7 levantados pela ANT, referentes ao horário dos jogos e ao transporte em dias de jogos. Por exemplo, ontem a noite em São Januário, no jogaço entre Vasco x Corinthians, o pontapé inicial foi dado às 22h. O metrô fecha à meia-noite. Por que 22h? Ora, porque assim o jogo começa depois das novelas. Por que meia-noite? Ninguém sabe o porquê, já que o Metrô Rio é dirigido por uma franquia privada).
5. O jeito pelo qual as gerais foram removidas dos estádios brasileiros é o mesmo pelo usado pelo governo no trato das comunidades de baixa renda da cidade. Os projetos de redesenvolvimento urbano da Zona Portuária foram entregues para uma empresa privada (CDURP). Em média 30 mil pessoas moram nos arredores dessa região, mas seu futuro residencial, urbano e laborial será definido por uma forma privatizada do governo urbano. O mesmo processo está em andamento com as 119 favelas destinadas à remoção forçada pelo governo municipal. A total ausência de envolvimento público no processo de re-estruturação do Maracanã é EXATAMENTE a mesma falta que notamos em outros setores sociais. O Maracanã será igualmente privatizado após as Olimpíadas. A Zona Portuária está se transformando numa zona da empresa privada e da governança urbano privada. Grandes (e pequenas) comunidades estão sendo apagadas do mapa em prol da criação do “Espaço Olímpico”. O público precisa se envolver mais nestas decisões. A ANT se predispõe a participar das conversações acerca dos estádios. A sociedade civil vem se mostrando extremamente vagarosa ao reagir perante as grandes mudanças já em curso.
6. O futebol não é democrático, nós sabemos disso. Mas falando sério, no Brasil nós ultrapassamos o limite da falta de democracia. Ricardo Teixeira é o presidente da CBF há 21 anos. Isso é mais do que o tempo de vida que Neymar tem na Terra. Pela primeira vez na sórdida história das Copas do Mundo, o presidente da federação nacional do futebol é também o presidente do Comitê de Organização da Copa do Mundo. Esse duplo papel já trás conseqüências calamitosas que comprometem a transparência da instituição. E claro, a filha dele (a neta do ex-presidente da FIFA, João Havelange) é a Secretária Geral da Copa de 2014. Existem 5, C-I-N-C-O, CINCO membros no Comitê de Organização da Copa do Mundo de 2014! Deve existir algum tipo de entidade independente que mantém essa máfia, representando os interesses dos torcedores brasileiros e garantindo que a Copa do Mundo deixará algo, qualquer tipo de legado que não seja 12 elefantes brancos que vão passar os próximos 50 anos sugando milhões de reais por mês em gastos com manutenção.
7. Desde sempre os seres humanos se reúnem em espaços públicos para assistir outros seres humanos jogando. Desde essa época, ou seja, há muito tempo atrás estes mesmos seres humanos comem carne vermelha e consomem um tipo de bebida fermentada. Desde junho de 2009, o direito básico do ser humano de consumir álcool e assistir pessoas fazendo coisas em um espaço e local especificamente designado para isso, parou de existir no Brasil. Pois é, no Brasil você não pode beber cerveja dentro de um estádio!!!!!! Pelo menos até 2014, quando os “menos violentos, com menor propensão ao crime” vierem visitar. Se existe qualquer argumento que prove que a proibição do álcool nos estádios reduz em larga ou até mesmo em média escala os níveis de violência durante partidas de futebol, por favor, me envie essa prova. Se não (você, pretenso dono supremo do futebol), trate as pessoas como adultos, não como jovens com tendências criminosas, assim você irá gerar mais lucros para a AmBev! Jesus, Maria, José, deixa a cerveja entornar! Respeitem o torcedor!
Neste domingo (17/10) a ANT fará sua primeira manifestação pública no clássico Fluminense x Botafogo.
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